A justiça invertida e o absurdo instalado. Foi o que pensei quando vim a saber que o juiz Carlos Alexandre decidiu levar a julgamento Mamadou Ba, por difamação, publicidade e calúnia, na sequência de uma queixa-crime apresentada pelo neonazi Mário Machado. Confesso que num primeiro momento até pensei que era mentira. Mas que país tão ao contrário, que gente tão alienada para que isto não cause indignação generalizada? Um país ainda estruturalmente e institucionalmente racista, um povo demasiado alheio da ferida do ódio que não lhe dói na pele, uma gente complacente com a normalização da violência dos discursos com crescente espaço mediático contra quem é diferente e contra aqueles que não mais fazem do que apelar aos valores humanos de igualdade.
Mamadou Ba é há demasiado tempo perseguido por mostrar a realidade que se insiste em negar. Há muito que é publicamente condenado por tudo o que diz. Mas a perseguição está agora num outro nível, diria impensável num país não racista, em que um professo amante do ódio e da violência, um criminoso condenado, um vaidoso racista, xenófobo e homofóbico se declara difamado e caluniado na justiça. Isto é grave, absurdo e incompreensível, e sirenes vermelhas deverão tocar em todos nós que queremos uma sociedade diferente, mais justa, mais igual e sem racismo.
Evidentemente que o Mamadou Ba tem toda a minha solidariedade na sua luta antirracista. Não há outra posição possível. O contrário é alinhar com o ódio. A neutralidade a mesma coisa.
Sara Cura
arqueóloga