João Balão

O filósofo argentino Darío Sztajnszrajber disse que a grande diferença entre a atuação do poder no século XX e no século XXI, é que anteriormente oprimia e agora normaliza. E, efetivamente, é o que assistimos hoje em dia: a normalização e banalização das coisas extraordinárias. Extraordinárias para o bem, e para o mal. Há muitos anos que digo que a normalidade é apenas um dado estatístico em torno a um consenso, e quantos mais adeptos esse consenso tem, mais normal se torna. O que não equivale de maneira nenhuma a dizer que esse consenso é correto. Basta-nos olhar para a normalidade de alguns países.

Nas últimas décadas, em Portugal, tem-se vindo a normalizar certos comportamentos e ideologias contra os quais a nossa Constituição nos defende, por serem nocivos a todos nós como sociedade. O facto de Mário Machado ter sido julgado, condenado e cumprido pena, não apaga em nada as suas ações, palavras e posturas. Uma pena de prisão visa, na sua essência, afastar um indivíduo da sociedade, por ser nocivo a ela, e que o tempo de pena cumprida sirva para a sua reabilitação como cidadão de bem, com vista a uma futura e pacífica reintegração nessa mesma sociedade, sem que o mesmo volte a constituir uma ameaça para ela. É público que, à pessoa em questão, o tempo de prisão não teve o efeito pretendido, e que além de não se mostrar minimamente arrependido das ações que levaram à sua condenação perante a justiça, reitera os seus propósitos violentos.

Que a essa mesma pessoa se demonstre ofendida por alguém expôr publicamente aquilo que ele próprio afirma, já entra no campo do absurdo. Que, dadas essas circunstâncias, junto com o seu passado (do qual, frizo, não se mostra arrependido), resolve pôr uma queixa em tribunal por calúnia, isso já entra no campo do delírio. Que alguém dentro da justiça encontre razão para dar seguimento judicial a essa queixa, é porque alguma coisa extremamente errada existe neste país, e nas suas instituições. Instituições que, lembro, são pagas por todos nós, e que visam servir-nos a todos como sociedade, e das quais se espera idoneidade, critério, bom senso, e visão do impacto das suas decisões na vida de cada um, e na vida de todos. E se essas instituições não nos estão a servir como deviam, cabe-nos a nós, cidadãos, levantar as nossas vozes para que essas instituições funcionem como é esperado delas.

Mamadou Ba é uma voz corajosa que se levanta por muitos de nós, no sentido de identificar e denunciar as situações que impedem muitas pessoas de fazerem valer os seus direitos, e por consequência nos impedem de evoluir como sociedade. É uma voz corajosa que nos alerta sobre a tendência regressiva que uma camada da população protagoniza, e que parece ter eco em certas áreas do poder em Portugal, como tristemente se pode constatar. Nomeadamente, o nosso sistema judicial tem dado mostras públicas de que alguns dos seus elementos se recusam a viver e a atuar no contexto deste século, o que é bastante preocupante. Cabe-nos a nós, cidadãos, velar pela coerência e integridade das instituições que todos patrocinamos, cada vez que se desviam dos seus propósitos. Por esse motivo, juntando a minha voz à voz de Mamadou Ba, recuso veementemente que este processo sem nenhum sentido lhe seja movido. Não podemos continuar a permitir que seja branqueado o que não é minimamente aceitável! Não podemos continuar a permitir que discursos racistas, xenófobos e fascistas sintam que têm abrigo em qualquer sector do Estado. Não é essa a sociedade que queremos, e para isso temos o dever de levantar as nossas vozes. Ficar calado diante destas situações, é pactuar com elas, e permitir que ganhem força, para que mais tarde nos venham bater à porta.

Eu apoio Mamadou Ba!

João Balão
músico