Portugal precisa estar grato a Mamadou Ba. Eu, sem dúvidas, estou. O seu trabalho incansável e corajoso, denunciando o racismo estrutural em Portugal e as desigualdades étnico-raciais leva-me antes a imaginar que o Estado o deveria condecorar. Mas, na realidade, a omnipresença do racismo de Estado levou a uma decisão judicial de o levar a julgamento num processo ínvio. É uma forma de branqueamento de uma luta de décadas que Mamadou, nos coletivos em que está e esteve envolvido, sempre faz bravamente. Partilho a minha perplexidade, pelo racismo de Estado de que está a ser vítima, fundado na razão colonial: somos um dos países com um império colonial mais longo da história, envolvido na expropriação de terras e territórios, corpos e recursos que nunca nos pertenceram. O país que forneceu, isto é, raptou, violentou e traficou milhões de seres humanos levados para as economias de plantação, corpos negros e indígenas nas mãos da violência genocida e colonial portuguesa. A gramática política desse império foi o racismo e Portugal ainda não foi capaz de se pensar para além desse racismo que nos estrutura. Só que explicação não é justificação para o que é injustificável. Como pode o anti-racismo ser tratado como simétrico do racismo? O racismo não é uma opinião, não é uma atitude, é uma relação social que destrói a possibilidade da pessoa racializada ser tratada democraticamente. E é exatamente isso que esta decisão faz a Mamadou Ba. É deplorável.
Toda a minha solidariedade ao Mamadou Ba, intelectual e ativista, a quem o Estado Português violenta desta forma inqualificável, num país que nem coleta os dados da população estruturados por pertença étnico-racial, que quotidianamente não intervem em atos de racismo perpetrados contra as populações afro-descendente e romani e que gosta de se imaginar não-racista. Não-racista não existe, não é uma posição possível. A normalização do fascismo e do racismo são inaceitáveis. O país devia agradecer ao Mamadou Ba, por trazer para a discussão pública, a forma como a democracia não é democracia inteira se não for anti-racista e não se comprometer com a erradicação do racismo. Estamos com ele.
João Manuel de Oliveira
investigador e professor universitário, ISCTE-IUL