1. O fascismo mata.
O fascismo não mataria se os fascistas não fossem assassinos.
O fascismo exalta e pratica o extermínio daqueles que considera inferiores: os pretos, os comunas, os paneleiros, as fufas, a ciganada. Os fascistas não seriam assassinos se não fossem fascistas.
Mesmo que se pudesse dizer que nem todos os fascistas são assassinos de facto – consideremos a diferença entre o conceber e o praticar –, aquele a quem o sistema judicial português reconhece o direito de processar Mamadou Ba, é mesmo o que parece e parece mesmo aquilo que é.
Chamemos os bois pelos nomes. O que é que se chama a um fascista praticante, orgulhoso de o ser, condenado por vários crimes que decorrem da coerência entre a sua filiação ideológica e a sua prática concreta, que esteve comprovadamente envolvido em pelo menos um assassinato? Por que outra palavra se pode nomear um assassino?
O fascismo mata. Não mataria se fosse outra coisa. Mas é mesmo aquilo que é.
2. Mamadou Ba é um militante antirracista.
O antirracismo incomoda muita gente no país dos brancos costumes. E ainda bem.
O Mamadou podia deixar de incomodar, ou pelo menos podia incomodar um bocadinho menos. Mas para isso tinha de olhar para o lado. Tinha de fingir que não via o que entra pelos olhos dentro. Tinha de deixar de ser um antirracista. Ou pelo menos deixar de o ser da forma militante, empenhada, comprometida, inteira como o é. Tinha de deixar de ser quem é.
E devemos-lhe tanto, mas tanto, por ser quem é, o que é e como é, que já era tempo de percebermos que se alguém tem de mudar alguma coisa não é ele. Pela minha parte, só lhe posso agradecer a coragem que empresta à luta por um mundo melhor. Não se pode derrotar o racismo e o fascismo se não tivermos a coragem, para começar, de nomear aquilo que combatemos. Obrigado, Mamadou, por chamares os bois pelos nomes.
O antirracismo incomoda. Não incomodaria se fosse outra coisa. Ainda bem que é mesmo aquilo que é.
«O assassino esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida,
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, excepto claro
os meritíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.»
in Eugénio de Andrade, Requiem para Pier Paolo Pasolini, 1977.
José Viana
professor