Talvez todas as gerações o sintam, mas os últimos anos têm sido ricos em eventos históricos, inéditos, e que pouco tempo antes eram inimagináveis. A indignação parece-nos já uma reação insuficiente e gasta perante tanta afronta, tanta linha vermelha ultrapassada, tanto ganhar de terreno pela parte da extrema-direita fascista que a geração do 25 de Abril pensava ter vencido de vez. Ficamos chocados por ver que em poucos anos passámos dum simples vereador oportunista do PSD a querer fazer carreira a solo, para 12 deputados fascistas no Parlamento. Parece que adormecemos durante 5 anos e não conseguimos explicar como chegámos a este estado de exceção, como pode isto ser quando a Constituição é clara: são proibidas as organizações fascistas e racistas. Mas elas aí estão: o partido, os movimentos, as manifestações, as ameaças e as concretizações de violência, os ataques em pleno parlamento, à boca cheia, a mandá-los para a África.
Nada disto ocorreu de um momento para o outro. Eles vão esticando a corda, vão testando, vão provocando e todo o regime democrático parece ir tolerando cada vez mais o neofascismo na proporção do crescimento e da força deste. Se o Mamadou Ba não puder dizer que o neonazi Mário Machado – nunca arrependido, sempre empenhado na construção de organizações paramilitares racistas e nazis, e na violência contra as minorias e a esquerda – participou no assassinato de Alcindo Monteiro, será um salto qualitativo na normalização da extrema-direita que não podemos permitir.
Quando estudava em Coimbra saía todos os dias da minha República e via a placa nas ruínas do “Quimbo dos Sobas” com um excerto do poema “Confiança” de Agostinho Neto: “As minhas mãos colocaram pedras/ nos alicerces do mundo/ mereço o meu pedaço de pão!” Coisa tão simples, que para mim, então acabado de chegar da província onde havia pouca população negra, pareciam uma “lapalissada” anacrónica: claro que somos todos iguais, ora essa! Mas quanto mais o tempo passa mais entendo a audácia, a radicalidade, a coragem necessária para o negro em Portugal fazer esse ato tão simples, na época, e como este caso demonstra, ainda hoje: levantar a cabeça e dizer “estou aqui, mereço respeito!”. Este é o pecado de Mamadou Ba e de todos os que não aceitam a sua condição subalterna, que a sociedade racista portuguesa não aceita, ao ponto de ver em quem aponta o problema o verdadeiro vilão. Expresso a minha total e incondicional solidariedade para com o Mamadou Ba pois não podia continuar a reivindicar-me democrata e sequer minimamente humanista sem o fazer.
Igor Constantino
ferroviário e Estudante de Filosofia, Membro de Sub-CT da CP