Como é que um homem que tem dedicado a vida ao combate cívico à supressão da humanidade comum dos seres humanos, fundamento de todas as gramáticas de justiça modernas, acaba exposto à infame acusação de difamação de um sujeito que, reiteradamente, se pôs e continua a pôr do lado de uma ordem de violência que esmaga a humanidade comum pela hierarquização natural e por isso definitiva dos seres?
Esta é a interrogação que torna urgente tomar posição e informar o Estado português de que o libelo contra o Mamadou Ba é intolerável.
É intolerável porque, para ir adiante, subverte a ordem dos valores: quem se destacou do espectro das argumentações legítimas não pode, depois, beneficiar de princípio de equivalência na base do qual se estima e qualifica o modo e a extensão do desrespeito da “dignidade pessoal.”
É ainda intolerável porque a constituição do anátema como matéria criminal implica uma deslocação artificial do espaço do juízo político para o do juízo “personalizado.” Mamadou Ba tinha e tem todo o direito de chamar assassino a Mário Machado. O que este, por ditos e feitos monstruosos que nunca enjeitou, ambiciona – e nunca escondeu ambicionar – é corroer a substrução do bem comum nas gramáticas modernas de justiça, subordinando-o a um regime de violência extrema em que uns são natural e inquestionavelmente superiores a outros.
Apoiar o Mamadou Ba é, por conseguinte, um imperativo de consciência. Por mais coragem cívica e física, determinação e firmeza de carácter que lhe reconheçamos, não podemos deixá-lo sozinho a enfrentar uma Justiça que, aparentemente, enredada em formalismos legais e “abstrações” sem correspondência real, perdeu de vista o bem comum superior de que é suposto cuidar.
João Sedas Nunes
professor universitário