Durante anos senti-me segura no meu país. Eu, que vivo fora dos grandes centros, numa cidade pequenina a que muitos ainda chamam vila, num concelho que a emigração, a migração e o despovoamento deixam em pousio, descansei com a prisão de Mário Machado. Era (muito) nova nesse tempo em que Alcindo morreu, às mãos da xenofobia e do racismo que eu não julgava ser possível ver regurgitar, algum dia, muito menos respaldado de forma oficial, no Portugal que Abril abriu.
Enganei-me. Eu e tantos. Todos os dias me culpo por não termos sido capazes – eu e a minha geração, nascida ou crescida em liberdade – de manter viva essa chama que deveria ter impedido a besta de ressuscitar. Lembro-me então das palavras de Luís Brites (resistente antifascista, primeiro advogado da minha terra) em meados de 2000, já perto do fim, aos 90 e muitos anos: “o fascismo está aí, com o rabo de fora. Não o deixem sair”.
Devo aos meus filhos e às gerações que hão-de vir esse pedido de desculpas. Que nos perdoem, por deixarmos que o nosso país leve ao banco dos réus quem tem a coragem de denunciar o que todos sabem, e já antes a mesma Justiça provou.
Que a voz nunca te doa, Mamadou.
Paula Sofia Luz
jornalista