É uma tendência crescente no espaço público, de certos comentadores à acção da justiça, esta de fazer equivaler racismo e anti-racismo como pólos opostos, mas no fundo iguais, de um modo de existir que se desejaria algures no meio, nem muito racista, nem muito anti-racista. É capaz de estar aí uma parte do contexto em que Mamadou Ba é levado a tribunal e condenado por difamação, depois de ter dito aquilo que é óbvio e conhecido relativamente a uma das pessoas envolvidas no homicídio de Alcindo Monteiro (e é tão óbvio e conhecido que, perante provas, até deu direito a condenação, pelo que fica a pergunta: se Mamadou Ba for agora condenado, condenar-se-á também o juiz que proferiu essa sentença mais antiga?). Parece, então, que não se pode apontar o óbvio se isso nos fizer sair desse meio – nem muito racista, nem muito anti-racista – que agora se definiu como virtuoso. O resto do contexto também é conhecido: a luta contra o racismo continua a incomodar uma sociedade onde o racismo estrutural é uma realidade que, apesar de fácil de constatar, não se pode referir, sob pena de ficarmos muito consternados e a carpir uma espécie de mantra que diz que Portugal não é racista, o que há é uma ou outra pessoa que não aprecia gente cuja pele seja mais escura do que aquilo que se considerou padrão de branquitude… É assim que Mamadou Ba vai a tribunal, porque isto de andar a incomodar as pessoas com essa história de racismo estrutural não é aceitável, mesmo que todos os indicadores, históricos, sociais, económicos e por aí fora, apontem para isso mesmo. Daí que a única hipótese séria seja a de recusar o tal meio onde estaria a suposta virtude e prestar a Mamadou Ba a solidariedade que lhe é devida, porque a sua ida a tribunal tem pouco que ver com justiça, devendo tudo ao gesto de enterrar a cabeça na areia com que andamos a alimentar o racismo há demasiado tempo.
Sara Figueiredo Costa
jornalista