Nuno Pinheiro

Vivemos num país estranho, diz-se que não há racismo, mas que há racistas. Diz-se que colonização nem foi bem uma colonização, mas espera-se que os que vieram dos locais colonizados se comportem como se a colónia fosse aqui, o branco o dominante e o negro (pode ser asiático também, cigano ainda pior) o dominado.

Tudo parece estranho, mas talvez não seja assim tanto num país traumatizado pela presença imperial mais longa, por ter sido o primeiro a criar um império colonial e talvez o último a acabar. Talvez a esta luz possamos compreender a ideia de que lutar contra o racismo é uma demonstração de racismo. Ou seja, é proibido dizer que há racismo.

Se é possível compreender esta ideia em pessoas traumatizadas pelo império e pelo seu fim, é pior ver que isto é teoria oficial e política de estado. Isto num país que constitucionalmente proíbe o racismo. Manifestações antirracistas pacíficas são reprimidas com enorme ferocidade, ou beneficiam da “proteção” de aparatos policiais gigantescos. A polícia entra por bairros degradados (habitados na sua maioria por “etnias minoritárias”) como nunca entraria em locais habitados pela classe média, ou menos ainda pelos ricos. Haverá aí menos crime? Sabemos que não é essa a questão. Fazem-se realojamentos em condições infra-humanas porque essas pessoas “ainda deviam estar gratas”.

Os direitos são negados e até o direito de lutar pelos direitos é um pecado capital. O Mamadou Ba tem sido uma das pessoas mais visíveis e mais consequentes na luta antirracista, como tal é tratado como criminoso, como racista. O seu crime de agora, ter dito que um implicado e condenado num crime de ódio racial é isso mesmo, um condenado por implicação num assassinato por ódio racial. Que fascistas e racistas se queixem não tem nada demais, ter o estado português a levantar esta acusação e fazer de Mamadou Ba, réu deste processo em que o criminoso é o acusador demonstra que o racismo é mesmo um problema estrutural.

Estou solidário com o Mamadou, claro!

Nuno Pinheiro
professor