Num post nas redes sociais em junho de 2020, o ativista antirracista Mamadou Ba referiu-se ao neonazi, criminoso condenado e cadastrado Mário Machado como “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo [Monteiro]”. Com base nisto, Machado decidiu apresentar queixa e o inevitável Juíz Carlos Alexandre (não haverá mais juízes neste país?) decidiu pronunciar Mamadou Ba para julgamento.
Tudo nesta decisão é absurdo e tudo nesta história me envergonha.
Tudo é absurdo porque a afirmação de Mamadou Ba é factualmente verdadeira. Mário Machado integrou o grupo de supremacistas brancos que na noite de 10 de junho de 1995 realizou um jantar nacionalista a que se seguiriam atos de ódio que envolveram agressões a perto de uma dezena de pessoas e culminaram no cobarde assassinato de Alcindo Monteiro. Foi condenado em 1997 a quatro anos e três meses de prisão por envolvimento nestas agressões. E o próprio Mário Machado fez publicações posteriores orgulhando-se desse envolvimento.
Tudo é equívoco, também, porque Mário Machado não tem honra suscetível de ser ofendida nestes termos, conforme disse e bem Isabel Duarte, a advogada de Mamadou Ba, na audição da decisão instrutória. Foi o próprio Mário Machado quem há muito se encarregou de lançar na lama a sua própria honra através de toda uma vida dedicada ao ódio e à criminalidade, com condenações por extorsão, agressão, coação agravada e posse ilegal de arma, entre outros crimes.
O que me envergonha, tanto quanto me preocupa, é assistir à justiça do meu país dar provimento e cobertura às pretensões absurdas e infundadas de um criminoso sem honra, nomeadamente quando o faz através de um juíz que parece julgar-se acima de qualquer escrutínio e que é objeto de adoração por parte de setores da extrema-direita.
Confio que a democracia, a liberdade, a decência e o bom senso prevalecerão, e que este processo terminará por absoluta falta de fundamento já na próxima etapa. Mas o facto de se ter permitido que chegasse até aqui mostra bem o quanto a nossa democracia tem de estar vigilante contra aqueles que a ameaçam de diversas formas – incluindo no interior dos próprios órgãos de soberania.
Alexandre Abreu
economista e professor universitário